domingo, 30 de agosto de 2009

Um sonho .

' A gente se apertou um contra o outro. A gente queria ficar apertado assim porque nos completávamos desse jeito, o corpo de um sendo a metade perdida do corpo do outro. '

( Caio Fernando Abreu )

... poderia dizer muitas coisas, mas nunca que o fim não foi belo. Palavras erradas voavam ligeiras, embora os olhos verdes esperassem minha resposta correta. Silêncio. O abraço firme e macio me salvava do mundo, um beijo quente molhava. A mão que me segurou no escuro me pedia pra ficar. Uma frase. O que eu não ouvi.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Fluidez .


' A água flui, vai para a frente. Isto também vai passar. Mas não compreendo. Então um lado meu pensa: é sina, é fado, é destino, é maldição. Outro lado pensa: não, é mera neurose, de alguma forma sutil devo construir elaboradamente essa rejeição. Crio a situação, e ouço um não. Desta vez, eu tinha tanta certeza. E penso: os deuses me traíram, os búzios me atraiçoaram, as cartas me mentiram. '

( Caio Fernando Abreu )

domingo, 23 de agosto de 2009

Que seja doce .

‘(...) Adeus você
Não venha mais me negacear
Teu choro não me faz desistir
Teu riso não me faz reclinar
Acalma essa tormenta
E se agüenta, que eu vou pro meu lugar (...)’

( Marcelo Camelo )

A Despedida.

Não sentia os minutos que corriam velozes, mas lentas gotas de chuva fria caíam sobre seus cabelos, seu rosto, seus ombros. Uma a uma. Deitava então a noite.

Ao seu lado alguém que agora era um desconhecido. Perdido em paixões, palavras, sorrisos, amores, braços, abraços. Desconhecidos.

O silêncio gritava sonhos, desejos, medos em seu ouvido. Perguntas, respostas. Riu-se. Na pressa de entender, de chegar ao ponto certo não havia olhado ao redor. Margaridas, bicicletas, arco-íris, laços, outros.

Uma lágrima quente, tímida, nadou de encontro à chuva. Não há tristeza em seu olhar. Suas asas agora batem coloridamente.

- Seja feliz, seja muito feliz. Eu vou ser. Muito.

Entregou-lhe o último beijo, o último sorriso. Fortes, corretos, simples. E com os pés molhando o mar, estrelas escorrendo pelo corpo voou para além daquilo que, ao lado dele, não conseguia enxergar.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Mas ...




Lambeu as lágrimas que escorriam,
manchando a língua de tristezas.
Quando o vazio é muito grande,
as lágrimas são transparentes.

( Rita Apoena )


... e foi, passou. Não mais palavras, não mais amor. O inevitável acontecia: cada um de nós para um lado, correndo para o futuro, opostos. ‘ Talvez a gente se encontre no infinito ’ lhe disse em silêncio.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Considerações .

Sobre o abraço

Abraçar é encostar um coração no outro.

( Rita Apoena )

... naquele último abraço nosso carinho transbordava, qualquer coisa inexplicável fez o relógio do mundo desacelerar. Não era preciso pensar ou respirar, apenas sentir. E, de alguma maneira, eu sabia que se - por ventura - o Universo desabace nós estaríamos a salvo.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Reticências .




' Saudade é solidão acompanhada, é quando o amor ainda não foi embora, mas o amado já ...'
( Pablo Neruda )

Tanta saudade. De tanta coisa. De tantas pessoas. Saudade de mim ...

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Cúmplice .

Carta Anônima

Para se ler ao som de Melodia Sentimental, de Villa-Lobos cantada por Olívia Byington

Tenho trabalhado tanto, mas penso sempre em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada aos poucos e com mais força enquanto a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai ficar assim clack! e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você. Se não dormisse cedo nem estivesse quase sempre cansado, acho que esses pensamentos quase doeriam e fariam clack! de madrugada e eu me veria catando cacos de vidro entre os lençóis. Brilham, na palma da minha mão. Num deles, tem uma borboleta de asa rasgada. Noutro, um barco confundido com a linha do horizonte, onde também tem uma ilha. Não, não: acho que a ilha mora num caquinho só dela. Noutro, um punhal de jade. Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas que são bonitas. Parecem filme, livro, quadro. Não doem porque não ameaçam. Nada que eu penso de você ameaça. Durmo cedo, nunca quebra.

Daí penso coisas bobas quando, sentado na janela do ônibus, depois de trabalhar o dia inteiro, encosto a cabeça na vidraça, deixo a paisagem correr, e penso demais em você. Quando não encontro lugar para sentar, o que é mais freqüente, e me deixava irritado, descobri um jeito engraçado de, mesmo assim, continuar pensando em você. Me seguro naquela barra de ferro, olho através das janelas que, nessa posição, só deixam ver metade do corpo das pessoas pelas calçadas, e procuro nos pés daquelas aqueles que poderiam ser os seus. (A teus pés, lembro.). E fico tão embalado que chego a me curvar, certo que são mesmo os seus pés parados em alguma parada, alguma esquina. Nunca vejo você - seria, seriam?

Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você. Assim: de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de mentirinha como aqueles que as crianças pregam umas nas outras. Finjo que me assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã ou comer salada de frutas em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o telefone toca e corta o meu pensamento e do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você. Digo eu também, mas não sei o que falamos em seguida porque ficamos meio encabulados, a gente tem muito pudor de parecer ridículos melosos piegas bregas românticos pueris banais. Mas no que eu penso, penso também que somos meio tudo isso, não tem jeito, é tudo que vamos dizendo, quando falamos no meu pensamento, é frágil como a voz de Olívia Byington cantando Villa-Lobos, mais perto de Mozart que de Wagner, mais Chagal que Van Gogh, mais Jarmush que Win Wenders, mais Cecília Meireles que Nelson Rodrigues.

Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático, e penso então tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no umbigo do universo. Você toca minha mão, eu toco na sua.

Demora tanto que só depois de passarem três mil dias consigo olhar bem dentro dos seus olhos e é então feito mergulhar numas águas verdes tão cristalinas que têm algas na superfície ressaltadas contra a areia branca do fundo. Aqualouco, encontro pérolas. Sei que é meio idiota, mas gosto de pensar desse jeito, e se estou em pé no ônibus solto um pouco as mãos daquela barra de ferro para meu corpo balançar como se estivesse a bordo de um navio ou de você. Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão freqüente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente, mas penso tanto em você que na hora de dormir vezemquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Mas depois sou eu quem dorme e sonha, sonho com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. Clack! como se fosse verdade, um beijo.

Caio Fernando Abreu

O Estado de S. Paulo, 16/03/88

Pequenas Epifanias

- Caio Fernando Abreu é cúmplice. Leio, leio, leio e me vejo.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Divagando .

‘ E talvez não seja assim tão fácil
Talvez assim seja melhor
Talvez cada um reme pra um lado
Mas os mares que te cercam
Talvez sejam iguais aos meus
E a gente segue em frente ’
( Segue em frente, Junior Lima )

Depois de tanto tempo consegui perceber que estávamos juntos, eu e você no mesmo oceano de incertezas. Ainda é preciso te provar tanta coisa ...